Actualmente, fruto do exercício das liberdades de circulação dentro da UE, o número de famílias constituídas por cidadãos de diferentes países da União Europeia, ou de cidadãos da UE e nacionais de países terceiros, está a aumentar. Existem, actualmente, cerca de 16 milhões de casais internacionais na UE .
Inevitavelmente quando essas famílias se desintegram, os membros da família, incluindo crianças, muitas vezes, acabam por viver as suas vidas em países diferentes, o que comporta inúmeras dificuldades do ponto de vista do direito que regula as relações entre uns e outros.
Estas dificuldades incluem, por exemplo:
- saber que os tribunais têm competência para conhecer do pedido de divórcio e qual a lei aplicável a tal divórcio;
- a questão dos direitos transfronteiriços de acesso às crianças;
- a execução de obrigações de alimentos no estrangeiro;
- no caso de um falecimento, questões relacionadas com a sucessão.
Embora o direito familiar substantivo permaneça sob a exclusiva competência dos Estados-Membros da União Europeia, a UE tem poderes para tomar medidas relativas ao direito da família com incidência transfronteiriça, com base num processo legislativo especial: todos os países da UE devem concordar (por unanimidade) e o Parlamento Europeu deve ser consultado.
Com o objectivo de oferecer aos cidadãos da UE a segurança jurídica em situações transversais de direito de família transfronteiriço, diversos instrumentos essenciais têm sido adoptados, nos últimos anos, pela União Europeia e projectos de novos instrumentos estão actualmente em fase negociações.
DIREITO DE FAMÍLIA
O direito de família é constituído pelo conjunto das regras jurídicas que se aplicam às relações entre as pessoas unidas pelo vínculo de filiação (ou seja um vínculo de parentesco que liga, por exemplo, um filho à mãe ou ao pai) ou de casamento (ou união de facto registada). e que regulam, por exemplo, o casamento, o divórcio, a adopção de crianças, e questões relacionadas com a responsabilidade parental, como, por exemplo, a guarda dos filhos e o direito de visita.
Estas regras variam de um Estado para o outro, visto estarem intrinsecamente ligadas à história, à cultura e à evolução social de cada país.
A União Europeia tem por objectivo definir regras comuns em direito de família, a fim de que os cidadãos europeus não se vejam entravados no exercício dos seus direitos pelo facto de viverem em diferentes países da União Europeia ou porque mudaram de um país para o outro ao longo da sua vida.
Não obstante, os Estados-Membros devem estar todos de acordo quando se trata de adoptar essas regras.
DIREITO SUCESSÓRIO
As normas nacionais aplicáveis às sucessões variam consideravelmente consoante os Estados‑Membros (quem são os herdeiros, sucessão legítima e legitimária, grau de liberdade testamentária, administração da herança, responsabilidade dos herdeiros pelas dívidas, etc.).
Nas sucessões transfronteiriças, é fundamental determinar qual a lei aplicável e qual o tribunal competente para apreciar o caso.
DIVÓRCIO E SEPARAÇÃO JUDICIAL
Quando duas pessoas casadas decidem separar‑se definitivamente, um dos cônjuges, ou ambos, intenta geralmente uma acção de divórcio.
Divorciar-se não é apenas separar-se. O divórcio anula os laços do casamento e o correspondente regime de bens, o que pode ter numerosas consequências a nível jurídico.
Por esta razão, na maior parte dos Estados-Membros, o divórcio deve ser declarado por uma autoridade judicial, que decidirá igualmente, se for caso disso:
- da questão da responsabilidade parental,
- da partilha do património dos cônjuges e da dissolução do regime de bens,
- e das eventuais pensões a pagar por um dos cônjuges ao outro ou aos filhos.
Na União Europeia, existem regras para saber em que tribunal deve ser instaurado a acção de divórcio quando o casal se separa. Estas regras são particularmente úteis para os casais mistos, ou seja, quando os cônjuges têm nacionalidades diferentes, ou quando os membros do casal tiveram residência em vários Estados‑Membros durante o casamento.
LITÍGIOS NACIONAIS
Em Portugal, o divórcio pode ser obtido por mútuo consentimento ou sem consentimento de um dos cônjuges.
A primeira modalidade pressupõe o acordo de ambos os membros do casal relativamente à dissolução do vínculo matrimonial e, em princípio, sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça, o exercício das responsabilidades parentais, relativamente aos filhos menores e o destino da casa de morada da família.
O divórcio sem consentimento de um dos cônjuges é requerido no tribunal por um dos cônjuges contra o outro, fundamentado em factos legalmente previstos ou outros que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento.
A separação judicial de pessoas e bens não dissolve o vínculo conjugal, mas extingue os deveres de coabitação e assistência, sem prejuízo do direito a alimentos.
Relativamente aos bens, a separação produz os efeitos que produziria a dissolução do casamento.
A separação judicial de pessoas e bens termina pela reconciliação dos cônjuges ou pela dissolução do casamento.
LITÍGIOS TRANSNACIONAIS
Numa ruptura matrimonial, é cada vez mais frequente a presença de elementos transnacionais, o que ocorre igualmente no âmbito das relações entre pais e filhos, que levantam dúvidas em três vertentes: competência internacional, lei aplicável e reconhecimento e execução de decisões.
COMPETÊNCIA, RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO
Na União Europeia, existem regras para determinar em que tribunal um pedido de divórcio deve ser apresentado em caso de separação. As regras também permitem que uma decisão de divórcio proferida num país da UE seja facilmente reconhecida noutro Estado-Membro e ali produza os seus efeitos.
As regras começaram por estar contidas Regulamento n.º 1347/2000, de 29 de maio de 2000 (Regulamento Bruxelas II), relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de regulação do poder paternal em relação a filhos comuns do casal, proferidas por ocasião das acções judiciais em matéria matrimonial.
O Conselho Europeu de Tampere, entretanto, estabeleceu que o princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais constitui a pedra angular da criação de um verdadeiro espaço judiciário, destacando o direito de visita como questão prioritária no âmbito do direito da família.
A Comissão veio, posteriormente, apresentar uma proposta que conduziu à adopção do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revogou o Regulamento (CE) n.º 1347/2000.
O Regulamento entrou em vigor em 1 de agosto de 2004, tornando-se aplicável a partir de 1 de março de 2005
O novo texto não alterou as regras relativas à anulação, ao divórcio e à separação, mas apenas as regras relativas à protecção dos filhos, de tal forma que não ficasse limitada à protecção destes últimos apenas na sequência da ruptura matrimonial, nem tão-pouco à dos filhos do matrimónio
Para mais informações consulte o Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003.
LEI APLICÁVEL
Em julho de 2006, a Comissão Europeia apresentou uma proposta de regulamento para regular a lei aplicável ao divórcio. As negociações foram tendo seguimento relativamente a esta proposta, até que se tornou claro, em 2008, que existiam dificuldades intransponíveis para alcançar a unanimidade necessária para a aprovação pelos Estados-Membros
A 12 de julho de 2010, o Conselho adotou a Decisão 2010/405/UE, que autoriza uma cooperação reforçada no domínio da lei aplicável em matéria de divórcio e separação judicial entre a Bélgica, Bulgária, Alemanha, Espanha, França, Itália, Letónia, Luxemburgo, Hungria, Malta, Áustria, Portugal, Roménia e Eslovénia.
A cooperação reforçada permite que um grupo de pelo menos nove Estados Membros tome medidas num dos domínios abrangidos pelos Tratados no âmbito das competências não exclusivas da União. De acordo com artigo 331.º do TFUE, os Estados Membros não participantes podem associar-se à cooperação reforçada em curso.
Por conseguinte, os 14 Estados-Membros participantes mencionados adotaram o Regulamento (UE) n.º 1259/2010 do Conselho, de 20 de dezembro de 2010, que cria uma cooperação reforçada no domínio da lei aplicável em matéria de divórcio e separação judicial (chamado Regulamento Roma III), que entrou em vigor a 21 de junho de 2012.
O regulamento prevê soluções adequadas para os cidadãos em termos de segurança jurídica, previsibilidade e flexibilidade, protege os cônjuges mais vulneráveis durante os processos de divórcio e impede a selecção abusiva do foro (forum shopping).
Mais especificamente, o regulamento permite que os casais internacionais escolham antecipadamente qual a lei aplicável ao seu divórcio ou separação judicial, desde que esta seja a lei do Estado-Membro com o qual têm uma conexão mais estreita. Na ausência de acordo entre os cônjuges, os juízes podem recorrer a uma fórmula comum para decidir qual a lei nacional aplicável.
Este Regulamento não abrange, em contrapartida, as seguintes matérias: capacidade jurídica das pessoas singulares; existência, validade ou reconhecimento do casamento; anulação do casamento; nome dos cônjuges; efeitos patrimoniais do casamento; responsabilidade parental; obrigação de alimentos, fideicomissos e sucessões. Também não afeta a aplicação do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental.
Para mais informações consulte o Regulamento (UE) n.º 1259/2010 do Conselho, de 20 de dezembro de 2010